Pés descalços


Abri os olhos e vi que o mundo estava disposto a se esconder e não se mostrar. Encobrir-se com os pesados tecidos da hipocrisia era mais fácil, revelar-se o tornaria vulnerável a responder as perguntas que nunca deveriam ser feitas por ninguém. Problema dele. O mundo não sou eu. Fazer parte dele não quer dizer que tenha que compactuar com seus sentimentos escusos. É uma pena ver que outros, semelhantes a mim, caminham em direção contrária na qual me proponho aventurar.
Tirei os sapatos e senti o chão quente, o calor que fazia era bom e a sola dos meus pés suportaria. Percebi por toda a parte olhos me condenando pelo que fazia. Louco? Acho que a loucura era o menor adjetivo que atribuíam a mim. Entrei no banco. Agora eram as bocas que me censuravam. Ninguém se dava ao trabalho de se dirigir a mim e perguntar o motivo de estar sem os sapatos, falar as escondidas era mais fácil. Como pode entrar num estabelecimento bancário descalço? diziam. Entrei, fiz o que deveria fazer e saí. Na rua, alguém com coragem me perguntou de maneira sublime: - Moço, o senhor esqueceu os seus sapatos em casa? Era uma linda garotinha de olhos vivos e atentos. - Não, dei a um mendigo que estava sem o que calçar. Estou indo pra casa e colocarei outro sapato, respondi. Ela sorriu e me beijou o rosto.
Mais tarde em um canto qualquer dessa cidade uma garotinha de olhos vivos e atentos colocava os seus sapatinhos ao lado de um homem todo sujo, mas com sapatos novos e de uma menina de sua idade que calçava o mesmo número que o seu, mas estava descalça.
Enquanto alguns te censuram e nada fazem para mudar a realidade que os rodeia, outros seguem o seu exemplo.

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