Maria
Maria tinha
os olhos mais cheios de vida que um dia eu vi em alguém, mesmo que a vida
estivesse se esvaindo pelos seus dedos enrugados. Era uma idosa simpática na
casa de seus oitenta anos, que sentava-se todos os dias na porta de sua casa e
ficava vendo a vida passar como ela gostava de dizer.
Certa vez no
alto da minha imaturidade disse a ela que viver não é algo que se passa diante
dos olhos e sim algo mais forte, mais empolgante do que se sentar e observar o
canto dos pássaros ou os carros que iam e vinham. E ela com aquele sorriso já
incompleto de dentes, mas sincero como nenhum outro me respondeu: - Meu filho,
vai chegar o dia em que suas pernas não serão mais ágeis para correr e nem sua
boca tão rápida para falar, tudo vai se desacelerar e verás que observar a vida
é uma das últimas alternativas para quem ainda quer viver. Hoje você não tem metade
do prazer que tenho na minha calmaria, mas quando tiver na minha idade irá
desejar ter tido uma vida menos agitada, e entenderás que estou certa.
Não esperava
aquele tapa em forma de palavras e perguntei para a solitária para senhora: - E
por que acha que está tão certa assim? E ela sem hesitar: - Vejo tanta gente
com gana de ganhar mais para dar uma vida confortável para os filhos e os
deixando sem carinho, faltando neles o correr descompromissadamente na praça e o brincar na areia de
fazer cidades imaginárias. Vejo gente perder a saúde na falta de parar um pouco e olhar
para a lua quando está cheia e lotando clínicas e deixando médicos doentes com
suas doenças. Vejo famílias de finais de semanas que se reúnem para mostrar
pros outros o que se tem, mas não se mostram para si próprios o que possuem. Eu andei
na contramão disso tudo e hoje me sento aqui com a consciência de quem sempre tentou
fazer o melhor.
Calei-me.
Somos nada diante da maturidade de olhos que muito viram e de mãos que muito
fizeram. Como o ditado que diz que os velhos dão bons conselhos, pois passaram
da idade de darem maus exemplos.
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