O olhar do menino




Ao abrir os olhos para a vida e chorar seu primeiro lamento, agudo e forte, o menino assustou-se. Vultos amontoavam em suas retinas causando-lhe confusão e para ele era mais vantajoso passar os dias de olhos fechados até que conseguisse ter discernimento suficiente para processar tudo aquilo. Dormia por horas, acordava um pouco e voltava ao sono, como se para fugir da nova realidade que o assombrava. Sentia-se protegido e ao mesmo tempo só.
O tempo foi passando, o menino foi crescendo, e as coisas não melhoraram. Solitário num mundo cheio de gente, ele mantinha seu assombro no olhar. A cada novidade vista um novo susto. A vida era um acúmulo infinito de grandes novidades em velhas roupagens, mas ele não perdia a esperança de um dia finalmente se entender com ela. Seus olhos logo precisaram de óculos, condição quase natural de quem nasceu numa era dominada por telas brilhantes e chamativas, mesmo assim as lentes não o ajudaram a entender como eram as dimensões do que ele via e do que sentia, muito mais ainda do que pensava.
Em um dia comum, ele entendeu que a vida era isso. Era não entender, era não questionar, apenas seguir o curso como um patinador do alto de uma descida íngreme, seu objetivo era ir até o fim, mesmo sem saber qual era sua recompensa: glória ou decepção. Então, continuou com seus olhos assustados, olhos graúdos de jabuticaba madura, olhos de assombro de quem vê o mundo pela primeira vez, mesmo com a vista cansada de tanto usá-la. É que ele fita agora cada coisa como no seu início, com um ar eterno de novidade de quem quer tornar as coisas iguais ao começo de tudo.

Comentários

  1. Me vi totalmente no trecho: "apenas seguir o curso como um patinador do alto de uma descida íngreme, seu objetivo era ir até o fim, mesmo sem saber qual era sua recompensa."
    Lindo texto!
    Um abraço.

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  2. Voltei para reler... É muita identificação.

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  3. Que bom que gostou! Ótimos os seus textos também.
    Abraço!

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