Vai passar


Já perdi as contas de quantos maços de cigarro fumei. Desde que tudo isso começou, alterno entre o fumo e a bebida, de modo que sequei todas as garrafas disponíveis aqui em casa, uma a uma, dia após dia. E já não sei se devo sair para comprar mais nicotina embalada.
Parece que o tempo parou e sigo me arrastando junto com ele, enquanto olho os ponteiros se moverem vagarosamente no relógio da sala. Sinto-me preso a este lugar. Cheguei a calcular quantos metros distam da janela da minha sacada até o chão e quais seriam os efeitos de uma possível queda. Quais ossos quebrariam? Quais traumas? Em quanto tempo a ambulância viria até mim e me levaria para um rolê aleatório em um hospital, com gente indo e vindo escondidas por suas máscaras e seus rostos cheios de pânico e terror? Demovo da ideia rapidamente, tenho ojeriza a hospitais. 
Decido desligar a TV, não quero mais más notícias. Tento ler um livro, porém desisto na página 12. Acho que assistirei uma série pelo celular, mas acabo entediado mais rapidamente do que previa. Levanto-me e vou cozinhar, acabo esquecendo da panela que queima e me faz jogar tudo fora. 
Vou para o banheiro. Choro copiosamente, deixando que minhas lágrimas se misturem com as gotas que caem do chuveiro. Grito, aquele urro sufocado por semanas, enquanto a música abafa meus soluços. Me seco e tento ir dormir. Preciso de algum medicamento que me faça apagar por algumas horas ou de uma paulada na cabeça, daquelas que nos faz desmaiar por um longo tempo. Medito, rezo, adormeço. Vai passar, digo a mim mesmo. Espero que logo. 


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