A viagem de ida...
Juntei todos
os meus cacos de sonhos e pus na mala, mala não, valise, afinal os sonhos que
sobraram eram tão pequeninos, miúdos e alguns estavam esmigalhados que cabiam
até numa sacola de supermercado. Peguei uma passagem só de ida para um lugar
distante, aquele em que sempre pensei em ir desde quando vi naquelas revistas
de viagens que ficam em consultórios psiquiátricos. Esqueci-me de dizer, tenho
síndrome de Asperger com tratamento clínico em curso, diagnosticado
precocemente quando eu ainda tinha 10 anos e aconselhava insistentemente a
minha professora de ciências que aquelas batas indianas ficavam horríveis em
pessoas acima do peso aliado a minha necessidade de punir com tapas, pontapés e
beliscões os meus nobres colegas de classe por cada erro gramatical por eles
cometido. Mas isso é só um pedaço de gelo no iceberg que sou... Isso mesmo,
também sou fria e talvez seja por isso que tenha escolhido partir para um lugar
que tem a mesma temperatura que eu.
Cheguei ali como
na música de Caetano, sem lenço e sem documentos, só com a vontade de viver
coisas diferentes e que talvez pudesse me fazer mais feliz. E em meios aos
parques e ruas daquela suntuosa cidade, avisto você, olhos atentos na tela de
seu Iphone e dedos ágeis teclando alguma coisa. Parei e pedi uma informação
qualquer sobre o lugar e sua cordialidade e simpatia me fez acreditar na raça
humana. Longe daquela história démodée
de amor à primeira vista, digamos que o que senti no momento fosse apenas
encantamento que posteriormente com o passar dos dias e a intensidade do
contato me fizeram acreditar em algo além. No entanto, policiei-me quanto a
isso. Estamos (nós, a humanidade) passando por um momento de carência coletiva
e, dizia a mim mesma, a cada mensagem sua me convidando para um jantar ou cada
bilhete singelo de bom dia em que recebia em meu hotel, que era só amizade ou
coisa parecida.
Passados
dias, meses eu acho, desde minha chegada, você aproximou-se de mim e o meu coração
já saltitava em meu peito. Como isso? - pensava. E nesse curto instante entre o
pensamento e o andar dos ponteiros você me surpreende com o toque inesperado de
seus lábios com os meus. Um beijo, daqueles de cinema francês ardoroso em
paixão que faria Klimt chorar por não ter nos tido como modelos do seu mais
famoso quadro.
Abandonei os
remédios, você era meu tratamento, corrigia seu português ruim entre beijos e
sorrisos e fui me percebendo mais humana, mais real. Perguntava-me até quando
essa paixão duraria, pois sei que tudo nessa vida é acelerado e nada
infelizmente é eterno. Joguei tudo para o ar, pensar naquilo cansava, entretanto
viver aquilo que me trazia novamente à vida e me fazia ter uma certeza, ainda
que momentânea, de que algumas loucuras são necessárias. Acabei mudando-me literalmente
e aprendendo uma nova matemática, em trago os meus sonhos, grandes agora por
sinal, para somar com os seus todos os dias.
Júlia
Siqueira
"E se o tempo levar
você, e um dia eu te olhar e não te reconhecer? E se o romance se desconstruir, perder o
sentido e me esquecer por ai? Mas
nós somos um quadro de Klimt, o beijo para sempre, fagulhando em cores,
resistindo a tudo seremos dois velhos felizes de
mãos dados numa tarde de sol... pra sempre"
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