Postagens

Mostrando postagens de 2022

Eu: matéria indefinida

Imagem
Tem dias que quero ser eu. Eu próprio, primeira pessoa do singular em totalidade, sentindo cada pedaço meu até enjoar de mim. Escrevo cartas, traço rotas, ouço músicas ruins e outras tantas incríveis, começo um livro que abandonei em algum lugar da vida, rabisco palavras incompreensíveis. Viajo em mim na compreensão de que olhar para dentro, ainda que de vez em quando, me leva a lugares e paisagens que eu ainda não registrei na memória. Jogo os braços ao lado do corpo, respiro fundo, paro de atuar, cancelo a performance. Ali em algum lugar de mim há um eu escondido, que não é nada daquilo que todos veem ou sabem, é meu estado puro. Matéria indefinida.

A casa

Imagem
Uma senhora que vive numa casa caindo aos pedaços num oásis da especulação imobiliária e riqueza paulistana. Cria alguns cachorros, usa uma pomada branca no rosto, protege veementemente árvores de uma possível máfia de desmatamento e aduba suas árvores com seus excrementos. Seu lar reflete o abandono de si própria. Vazia de si, numa casa cheia de tudo e nada. Se você leu até aqui e sentiu tristeza com o infortúnio dessa mulher, não se apiede com essas linhas. Era uma mulher escravagista, dessas que até hoje circulam por aí entre nós e se sente superior por pagar mal (ou não pagar) a funcionária que lava os seus fundos e alimenta o seu rebento. Ela é igual àquela vizinha, ao seu amigo, seu chefe. Ela sou eu e você. Sim, ela somos nós. Frutos de uma sociedade que não lida bem até hoje com o seu passado escravocrata e não enxerga nas entrelinhas do racismo velado praticado diariamente a nossa culpa. Somos culpados ainda por criar um espetáculo em cima de uma história de escravidão na

De volta

Imagem
  Talvez eu não quisesse mais escrever. Passei um bom tempo procurando meu eu escondido entre os escombros e pedaços de algum material orgânico que jazia nessa casa que sou. Talvez não quisesse mais viver aquilo que era. E o que era? – pergunto-me. Não sei responder. Por isso parei de rabiscar palavras que iam ao meu coração, precisava me reconectar comigo, como se houvesse tido um órgão transplantado e o médico precisasse ligar todas as veias e artérias para fazer toda engrenagem funcionar novamente. Eu era uma máquina quebrada que precisava de um conserto. Acho que ainda preciso de óleo entre os parafusos que se conectam a mim, mas no geral a aparência está bem melhor do que antes, de forma que posso mentir para os transeuntes que está tudo em perfeita ordem depois do tradicional bom dia que proferimos um ao outro. Talvez eu não quisesse mais escrever, mas enquanto o cursor pisca na tela do Word reflito que eu precisava voltar urgentemente a fazê-lo.