Sofre e se alegra
Todas as quintas-feiras, próximo do meio-dia, eu via da janela do meu
escritório uma senhora de idade, já um tanto avançada, caminhando vagarosamente
até Igreja Matriz da cidade. Pontualmente, como que por instinto, meus olhos
passaram a acompanhar aquela banalidade da vida, até que um dia decidi
escapulir do trabalho e ver o que tanto fazia aquela mulher e porque aquilo
tanto me intrigava.
Ao entrar na Igreja benzi-me, e vi que ela estava ali ajoelhada no
quinto banco apertando fervorosamente as contas de um terço que trazia em suas
mãos. Caminhei pelo lado oposto e me sentei alguns bancos atrás dela. Ouvia-se
apenas o cantar de alguns pássaros que faziam seus ninhos na cúpula acima do
altar e o barulho do vento nos galhos das árvores. Baixei os olhos para
aproveitar aquele silêncio e involuntariamente chorei. Chorei tanto que não
percebi que a senhora saiu de seu lugar e se colocou ao meu lado. O rosto
sulcado de tantos anos trazia levemente marcas de choro pelo que pude notar. Desculpei-me
por atrapalhar sua oração com meu pranto involuntário e ela sorrindo me disse
que não orava, estava ali sofrendo. Surpresa, perguntei:
- A senhora disse que vem aqui sofrer e não rezar?
- Sim, minha filha. – disse. Aqui é o lugar que mais sinto paz em
sofrer. Então trago todos os meus problemas e aqui os deixo. Sofro aqui, no
silêncio desta Igreja, porque não gosto de sofrer em casa com todos compartilhando
de minha tristeza. Em meu lar, quero apenas alegria.
E continuou:
- Uma vez me contaram que Jesus falava que aliviaria as cargas pesadas
de nossos ombros, porque o fardo dele é leve. Aí eu venho aqui toda semana
entregar minhas cargas a Ele. E eu acho que você tinha alguma para entregar
hoje também, não é?
E sorrindo, enquanto enxugava minhas lágrimas, aproveitei o conforto que
aquela mulher me trouxe e passei a acompanhá-la às quintas, para apertar as
contas de meu rosário e sofrer. Sofrer longe e me alegrar perto.
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