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Mostrando postagens de 2018

Molhe-se

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Quando a chuva cair, caia nela. Assim, de roupa e tudo. Demore-se na chuva. Grite. Cante. Deixe que ela empoce sua alma como faz com sua camiseta que já começa a colar no corpo de tão molhada. Permita às outras pessoas lhe julgar por essa atitude, no fundo elas gostariam de fazer o mesmo, mas se endureceram demais com o tempo para se permitirem a tanto. Ouse. Molhe-se. Chova.  

Viva o agora!

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Comece o que tiver vontade agora, já. Não precisa começar a sua dieta cetogênica amanhã, só porque é segunda, comece hoje, neste exato momento, pelo jantar. Não espere as coisas entrarem num ciclo que só existe em nossa cabeça. Nós temos uma mania terrível de achar que as coisas darão certo quando elas começam num dia exato ou numa hora que, não sei porquê, demonstra ser propícia. Temos mania por começos e esquecemos de que datas são apenas convenções historicamente criadas para nos darmos conta de que as rugas surgiram e não aproveitamos quase nada da vida. Então, se quiser viajar, faça. Vá numa quinta, meio-dia, afinal todos costumam planejar viagens para uma sexta de manhã. Comece um curso de mandarim em um dia quente do mês de dezembro. Todas as pessoas adoram iniciar um curso de inglês na segunda pela manhã, seja você o primeiro a ousar a aprender uma língua que você sabe que poucos se atreveriam a fazê-lo. Faça uma maratona de série às 02 da manhã de uma terça-feira, mesm

A culpa é de Mercúrio

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Aline é daquelas visitas inesperadas em horas apropriadas. Chegou com um guarda-chuva na mão (embora não tivesse uma mínima possibilidade sequer de garoa) e uma sacola de pães na outra e me pediu para fazer um café. Não era cinco da tarde e eu pensava em correr um pouco na avenida para jogar hormônios de prazer em meu sistema circulatório, mas desisti prontamente para te fazer companhia e comer os ricos carboidratos da padaria da esquina. Enquanto preparava o café e cortava umas fatias de um bolo de chocolate que havia feito uns dois dias atrás, ela lia despojadamente o Caderno 2 do jornal que achara perdido em algum canto da bagunça que chamo de casa. Quando já trazia as canecas para montar a mesa ela me diz: - Thiago, você sabia que Mercúrio está retrógrado? No que dei de ombros e respondi: - E isso significa...? - Significa que nossa comunicação vai mal, nossas escolhas ficam atrapalhadas, somos mal interpretados. – disse ela. O olhar de Aline era de uma preocupação

O falso sábio

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E sabia coisas sobre o funcionamento do universo, versava sobre literatura alemã, estudou os pré-socráticos, fazia Reiki e meditava todos os dias. Comprava livros de filosofia contemporânea e psicanálise, pensava em escrever artigos sobre mitologia nórdica, lia vorazmente os russos, possuía conhecimentos profundos sobre a ayurveda e medicina tradicional chinesa. Viajou mais de 30 países nos últimos anos, falava fluentemente seis ou oito idiomas – não me recordo -, ouvia Bach no som do carro e me disse, uma vez, que já havia tido contato com óvnis. Mas nunca teve contato consigo. Conhecia tudo e desconhecia a si mesmo.

Quebra-cabeças

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Já fui roqueiro, pagodeiro, reggaeiro , hoje, porém, nem sei mais em que estilo musical consigo me enquadrar. Preferi destilado a cerveja por longos anos, hoje não sei viver sem a gelada nos fins de semana (e nos meios de semana, por que não?). Era religioso a ponto de não perder um sermão do padre na noite de domingo. Acreditei que os amores são para sempre e que a gente não pode mais amar uma segunda, terceira, milésima vez. Gostei muito de chás na infância, o sabor do mato macerado em água quente me trazia o conforto de estar em família, mas já os detestei por um longo tempo e voltei a tomá-los recentemente. Por um momento pensei que meus amigos de adolescência seriam os meus amigos eternos e hoje conto amigos nos dedos da mão. Li muitos livros de autoajuda e hoje não consigo nem mirar suas capas na livraria. Já fui tantos. Hoje sou um grande compilado de tudo aquilo que um dia fui.

Adulte-se

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Você está doente em casa e não consegue ir ao trabalho. Quem organizará suas planilhas atrasadas e o material acumulado para você? Ninguém! Quem vai lhe dar o remédio e ajudar a melhorar? Ninguém! Então você vai ter que se levantar e ir ao médico, mesmo sem forças para tanto. Terá que seguir a prescrição do medicamento receitado sem que alguém lhe lembre os horários. Você cresceu e terá que assumir as responsabilidades de uma gripe. E assim como uma gripe, você tem que limpar a casa se deseja que ela esteja limpa, lavar os copos sujos na pia e fazer sua própria comida ou ligar para pedir algo para que não morra de inanição. E a partir da vida adulta que se descortina você percebe que todas as coisas do universo estão centradas em você mesmo e as decisões e escolhas a partir disso implicará em situações e caminhos que podem ser positivos ou não. Parece simples e ao mesmo tempo assustador, e é. Ser adulto é eternamente assustador e eu vivo assustado todos os dias desde que isso me

Piores melhores pessoas

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Ela caminhava como uma confiança desconcertante. Por fora, nada de padrões estéticos que a sociedade se orgulha de ostentar, muito pelo contrário, tinha os cabelos presos por uma caneta esferográfica verde levemente roída nas extremidades, usava um vestido puído e um casaco de moletom surrado, além de ter os tênis sujos de terra e as unhas por fazer. Desleixo, era a sua imagem. Será que ela quer passar essa imagem para nós? – pensei. Era notório o julgamento alheio, contudo ela se mantinha altiva, como quem tem a segurança de saber quem realmente é. Estava sentado ao fundo da lanchonete, próximo a janela, quando ela atravessou a rua e entrou no mesmo lugar em que me encontrava. Pediu um lanche, sob os olhares curiosos das pessoas que ali estavam, enquanto escolhia algumas outras coisas. Ela chocava e espantava as pessoas com o seu jeito de quem desistiu de viver para agradar as pessoas, a mim, porém, causava fascínio. Como alguém pode assim, de uma vez só, enfrentar o mundo? Como

Mudança de rota

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Depois de alguns anos a gente começa a perceber os defeitos do outro e escolhemos sempre, em qualquer momento do dia, todos os dias, entre abandonar o barco ou ficar, mesmo que ele comece a dar sinais de que alguma coisa já não é mais o mesmo. As velas, a proa, a tripulação, parecem estar corroídas pelo salitre que destrói de maneira quase imperceptível as coisas. As pessoas talvez mudem com o tempo, dizia a mim mesma. E a gente muda junto e com essa coisa cíclica e incerta não encontramos mais as versões que outrora havíamos esbarrado. Talvez os nossos eus não se topem mais e tenham ficado em um passado em que nós não vestíamos essa carcaça aqui. “Quando acordei hoje de manhã, eu sabia quem eu era, mas acho que já mudei muitas vezes desde então...” Alice, no final das contas, não era tão “Alice” assim! Júlia Siqueira

Escrevo-te

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M., Hoje não choveu, embora desde cedo uma nuvenzinha chata insistisse em esconder o sol de nós. Calor fez em demasiado, mas o dia foi triste, como são costumeiros os domingos nublados. Como estão as coisas? Espero que tudo dentro dos conformes. Essa noite me lembrei de você e, por isso, decidi me sentar à frente desta máquina de escrever e lhe redigir essa carta. Ontem ouvimos o novo LP do Toquinho, como ele tem uma voz melodiosa e harmônica, lembramos de ti e do fascínio que nutres por sua música. Mas isso não é o que venho dizer-te aqui. Tenho acompanho suas lutas, mesmo ao longe, e vejo o quão tem esmero e dedicação com o que fazes, embora não haja reconhecimento em tanto. A vida é assim, há pessoas medíocres e brilhantes, e tu estás entre o rol das pessoas que brilham. Oxalá todos pudessem ver a grandiosidade do outro e pudesse, assim, dar-lhes o devido valor, mas vivemos tempos difíceis, fundado no egoísmo cego e na falta de empatia. Então erga essa cabeça e seja capa

Onde?

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Para onde vão os nossos sonhos quando deixamos de sonhá-los? Para onde vão nossas vontades quando deixamos de satisfazê-las? Para onde vão os gritos que sufocam a nossa garganta quando não os emitimos? Para onde vão os amores quando deixamos de vivê-los? Para onde vamos nós quando não queremos ser nós mesmos?

Distopia

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  Não sabemos como tudo isso começou, embora desconfiemos. Talvez tenha sido quando os discursos inflamados deram lugar aos debates embasados ou naquele dia em que as pessoas ficaram tão cegas de ódio que não eram capazes de entender o que liam nos jornais. Pode ter sido ainda no dia em que todos ficamos espantados com as novas regras e leis que nos foram impostas para que tivéssemos segurança. Não sei, não lembro. Acabamos todos esquecendo. Tudo é fragmento. Nada parece se encaixar. Tínhamos uma vida antes disso, mas tudo parece um borrão. Temos ainda muitas dúvidas de como tudo o que vivemos hoje iniciou, só sei que em algum lugar em nós, entre a gente e no meio de tudo, acabou nos transformando nisso. Era em favor de nosso benefício, diziam, e pacientemente acatamos, como um rebanho que segue um dono, éramos ovelhas amedrontadas entregues às mãos de nosso novo pastor. Ele para nós um mero desconhecido, mas que nos conhecia a ponto de nos chamar pelo nome de batismo. Muitos de

Heresias

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E se Deus não olha por nós e somos nós é quem devemos olhar uns aos outros? E cuidar uns dos outros e nos amar e ajudar mutuamente? E se não existir um inferno físico, e este, que acreditamos haver no porvir seja real no aqui e agora, fruto de nossas ações que legitimamos com desculpas fajutas? E se todas as religiões fossem ilusões transitórias, de modo que não exista uma crença em que Deus se ancore, mas uma verdade universal que não está em templo ou lei alguma? E se todas as coisas que priorizamos em nossa vida fossem, na verdade, as últimas coisas que deveriam ser colocadas como importantes? E se o juízo final fosse o resultado do acúmulo de nossas ações desinteressadas em benefício do mundo e não apenas a nossa fé em algo, qual seria o nosso destino?

A desumanização

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O ser humano é o único ser (até que se prove o contrário) que tem a capacidade de autoconsciência de seus atos, de racionalização e abstração. Isso significa que fomos dotados de habilidades únicas, que nenhuma outra criatura possui neste planeta. Entretanto, contraditoriamente, somos uma das únicas espécies do reino animal que consegue realizar constantemente o processo inverso e negando essas aptidões.   Somos humanos, mas é comum desumanizarmos. E quando fazemos isso? Quando abrimos mão dessa potencialidade toda? Não é difícil encontrarmos pessoas desumanas por aí, e não são apenas aquelas que atentam contra outros de sua espécie com violência. Esses, pasmem, são exceção. Quando você se torna o que você mais odeia na vida para agradar alguém, você se desumaniza, porque você deixa de usar a sua racionalização. Quando nos apequenamos para caber em cubículos, ou tentamos nos expandir demais, mesmo tendo certeza de que não podemos dar conta do mundo inteiro, jogamos no lixo noss

Cartas de amor

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Já escrevi longas cartas de amor com minha inicial entrelaçadas com a de alguém, num clichê adolescente de quem acha que só se ama uma vez na vida. E coloquei ali as frases mais lindas que iam ao meu coração escrevendo com um sentimento digno dos melhores dramas hollywoodianos.   Já fui ridículo por amor. Já escrevi tantas letras de música que fossem capazes de caber em um caderno brochura de capa dura ao qual me agarrava quanto um amuleto para onde quer que eu fosse. Aquelas canções me traduziam de um jeito que eu nem mesmo sabia que fosse possível existir, e escrevê-las satisfazia o meu desejo oculto com a escrita. Hoje não me sinto mais o mesmo desejo por cadernos dessa natureza.   Já idealizei por amor. Lugares, pessoas, coisas, vidas foram pensadas por mim como reais, mas estava apenas um passo de uma fantasia que nunca se concretizou. E sabia que eu poderia escrever uma história (de amor) com todos esses elementos e mesmo assim nada disso seria real. Porque aprendi escrev

Sexo! Amor?

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Amor é divino, sexo é animal, canta Rita Lee. Antes do sentimento somos carne. Nascemos da carne. O encontro sujo de duas pélvis que se abraçaram para encontrar o gozo numa transa suja, cheia de suores e secreções. O sexo não é feito de idealização ou de pensamento, mas uma ação friccional e ficcional de corpos que se encontraram para receber prazer de maneira mútua. Simples.  No mundo animal, os seres se encontram, copulam e se soltam. Nós, animais que afirmam para todos que pensam, resolvemos burocratizar criando um mundo imaginário dentro do que é apenas pontual. Será que ele me ama? Será que estou fazendo tudo direito? E se permeiam o nosso pensamento e esquecemos que estamos ali para o êxtase e o fora.  Mas isso nos é exigido, amar, entender o outro, pensar no sexo como o ápice de um amor idealizado e blá, blá, blá, sendo qualquer coisa fora dessa curva um problema. Aí como você é fria, Júlia - dizem de mim! E eu prontamente respondo: - Meu amor, eu sou bem quente, só não s

Repartições do coração

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Quando eu tinha menos da idade do que hoje tenho, acreditava que qualquer sorriso bonito de dentes alinhados e conversa solta pudesse receber o nome de amigos. Talvez hoje não mais, quer dizer, não com a mesma intensidade. Acabo que continuo chamando todos de amigos, mas agora fico categorizando os amigos em sub-repartições numa escala de importância que inventei num domingo tedioso ou enquanto o espera o dentista nos atender.  Com o tempo a gente acaba ficando muito exigente para as coisas e de certa maneira invertendo a ordem de tantas coisas. Antes amigos para sempre e para tudo, hoje amigos para o momento. E retiro da caixa os amigos que me atenderão naquela situação em específico. É tudo questão de organização, não me tire por uma pessoa fria e calculista.  Mas há aqueles que dentro dessas subdivisões, são especiais. Esses a gente conta para ver sempre. São aqueles que você pode levar para uma banca de bar para discutirem por horas Freud, saúde pública, a situação do pla

Desconstruir-se para reconstruir (A bolha)

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Tem dias que pensar dói, contudo necessário, e hoje decidi voltar meu pensamento em como nós precisamos todos os dias desconstruir coisas e conceitos para que possamos viver de maneira honesta aquilo que desejamos realmente ser.  Quando nascemos nos dão um papel social, nos vestem com roupas escolhidas por nossos pais, que acabam por tomar outras decisões por nós, tais como nossa religião, a escola que estudaremos e outras coisas mais. Longe de criticar aquilo que nossos pais idealizaram e sonharam para nós, mas imagina como seria se nós pudéssemos ser ao menos ouvidos em situações que envolvem tão somente a nossa vida? Será que escolheríamos ser atores encenando papéis idealizados por outros? Com o tempo as idealizações migram dos nossos pais para o meio no qual estamos inseridos e aí um número maior de pessoas começam a nos exigir coisas que não queremos seguir ou que não achamos legais, mas para não nos sentirmos isolados em um mundo já tão cruel para quem tem “amigos” acaba

Começar

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Ele precisa por em dia os milagres, afastar-se dos medos e pecados. Ele tem urgências para escrever e exorcizar os seus enganos, crenças erradas e fatalidades. Ele tem pressas para curar-se do que acredita que deve se curar. Ele tem data marcada para estrear-se. Ele não pode esperar pelo que já esperou demais. Ele se põe como adequado, correto, direito, puro para poder merecer. Ele não sabe o que é merecer. Ele atualiza suas esperanças por conta das angústias. Ele espera a revelação, a intervenção, o salto, a descontinuidade. Ele se banha para jamais se sujar. Ele se pune por não se sentir outro, melhor, mais digno. Ele não pode mais esperar pelo que já esperou demais. A ansiedade é a muleta com que se dirige ao peito. Sente ânsias. Sente o medo. E mal sabe que ao desistir de tudo poderá tudo então (lhe) começar.  Guilherme Antunes, A Ilha de Um Homem Só

Buenos Aires

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Buenos Aires tem mesmo bons ares. O vento frio vindo não sei de onde, contrasta com o sol que está ali, mas parece que não está disposto a nos aquecer. A cidade respira cultura em seus prédios semelhantes aos vistos na Europa, nos monumentos louvando os heróis de outrora, demonstrando que tem orgulho de seu passado e se preocupa com que o será no futuro.  Preocupação que se vê na discussão da descriminalização do aborto, na educação e no trabalho. Os argentinos brigam pelo que acreditam, discutem, debatem. E leem. Nunca vi tantas livrarias por metro quadrado e tantas pessoas lendo em praças e parques. Oxalá um dia tivéssemos essa cultura em nosso país, de ler o mundo, de contemplar as coisas e deixar que a vida passe ao modelo portenho, sem pressa alguma.  Don’t cry for me , Argentina! Voltarei outra vez.  27/06/2018 Navegando pelo Rio La Plata entre Colónia del Sacramento (Uruguai) e Buenos Aires (Argentina)

O olhar do menino

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Ao abrir os olhos para a vida e chorar seu primeiro lamento, agudo e forte, o menino assustou-se. Vultos amontoavam em suas retinas causando-lhe confusão e para ele era mais vantajoso passar os dias de olhos fechados até que conseguisse ter discernimento suficiente para processar tudo aquilo. Dormia por horas, acordava um pouco e voltava ao sono, como se para fugir da nova realidade que o assombrava. Sentia-se protegido e ao mesmo tempo só. O tempo foi passando, o menino foi crescendo, e as coisas não melhoraram. Solitário num mundo cheio de gente, ele mantinha seu assombro no olhar. A cada novidade vista um novo susto. A vida era um acúmulo infinito de grandes novidades em velhas roupagens, mas ele não perdia a esperança de um dia finalmente se entender com ela. Seus olhos logo precisaram de óculos, condição quase natural de quem nasceu numa era dominada por telas brilhantes e chamativas, mesmo assim as lentes não o ajudaram a entender como eram as dimensões do que ele via

Mães de todo o mundo, uni-vos!

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Mães não precisam viver uma vida inteira devotada a seus filhos para serem reconhecidas como tal. Nem precisam renunciar a sua sexualidade para entrar se enquadrar a um paradigma ultrapassado de revistas femininas de 1910. Muito menos renunciar a si mesma para que seus filhos tenham suas necessidades atendidas ou largar o trabalho para voltar-se para o lar. Mãe é um dos seres mais importantes do mundo, mas não ser mãe não te faz pior que qualquer outra mulher deste planeta. Coloquem isso na cabeça de vocês. Mães são mulheres e antes do seu sexo as definir como tal, elas são pessoas, seres humanos com vontades, desejos, sonhos, angústias, alegrias e frustrações. Elas precisam sair da sombra de alguém, elas precisam deixar que vocês se virem e esquentem a sua própria comidinha, pois precisa também se arrumar para uma festa com as amigas. Ela vai te ensinar várias coisas para que você consiga se virar sozinho e não seja um imbecil dependente. Chega dessa de mãe é sinônimo de abnegaç

O restaurante lotado e nossas relações vazias

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Hoje presenciei uma das cenas mais patéticas desse nosso mundo pós-moderno. Estava almoçando em um restaurante, que por sinal estava bem lotado, quando um rapaz se aproximou da mesa de uma mulher num claro sinal de que iria se sentar ali, pois o lugar estava vago. Iria, do verbo não se sentou, pois, pasmem, a mulher fez uma cara das mais odiosas possíveis e apenas com o olhar conseguiu repelir o moço que ficou novamente sem encontrar lugar. Sim, prato na mão e sofrimento estampado na face, ele buscava um espaço onde pudesse comer em paz. Quatro mesas depois tinha um casal numa mesa conjugada. Eram duas mesas unidas e quatro cadeiras dispostas. Ao se aproximar o amigo/ marido/ amante/ namorado empurrou a mesa desocupada ao lado deles para que o rapaz a usasse e pudesse ali comer. Obviamente que não com eles, uma vez que se levantaram e trataram de pagar a sua conta, rapidamente. Sim pessoal, hoje vi que temos nojo de gente. Por que este rapaz não poderia se sentar com um desconh

Queremos ser eternidade

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Quando nascemos inconscientemente já intuíamos: - Um dia a menos. É como se entrássemos em escala decrescente e os anos a mais que tanto comemoramos com alegria, nada mais é que uma contagem regressiva para nos despedirmos desse mundo. Para que nascemos então senão para morrermos a seguir? E de que vale a nossa existência se um dia passaremos a ser apenas uma mera lembrança na vida de alguém que gostava de nós (ou não)? Não fomos preparados para ser apenas lembrança, um rosto no álbum de fotografias ou um nome numa certidão esquecida. Desde a mais tenra idade fomos projetados para passar as etapas e concluí-las com louvor. A infância e seus joelhos machucados das constantes quedas, a adolescência e sua intensidade, a vida adulta e seus altos e baixos. Era como se a cada passada de fase com sucesso, ganharíamos bônus, moedinhas ou coisas parecidas com qualquer joguinho bobo de celular. E constantemente queremos passar de fase, queremos conquistar os desafios que se impõe e dizer:

Jamais aprisionarão nossos sonhos

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Nós tivemos antena parabólica em 2000 com muito custo. Era difícil depender dos vizinhos para ver os seus programas favoritos e parcelamos uma a perder de vista depois de insistir para meus avós que aquilo era quase necessário.  Minha avó, quando meu avô faleceu, rodava mercados economizando centavos para dar conta de colocar comida dentro de casa. Sim, nós íamos de mercado em mercado sempre buscando os produtos mais baratos. Minha mãe ajudava ao seu modo. Vi muitas vezes ela tirando casacos que eram pura naftalina do armário e os colocando no sol para depois usá-los para que eu tivesse roupas novas durante o inverno. Aliás, roupas e calçados só em duas épocas, junho e janeiro, apenas. Viajar não era realidade, exceto quando tinha que acompanhar alguém doente para fazer exames em Ilhéus e Itabuna. Sempre estudei em escola pública e isso me preparou para a vida. A realidade das pessoas que nos rodeia é, por vezes, mais difícil que a nossa e isso me dava resiliência para não recl

Humanos? Talvez fomos um dia.

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Vivemos um período perigoso em nossa história. Passamos a nutrir um ódio pelo outro simplesmente por ele pensar diferente de nós. Não dialogamos e não damos as mãos para resolvermos juntos situações e problemas. A culpa é do outro e este outro nos culpa de volta. A empatia ficou no lixo. Sentimentos e sensações despejadas privada adentro. Guerreamos. A dor alheia tem que ser a primeira a ser sentida, o primeiro golpe e a última palavra têm que ser minha. Eu gozo primeiro. Eu sei mais que você. O mundo girando ao meu redor. Eu, eu, eu. Eu venço, mas me perco. Humanos? Talvez fomos um dia.

A gente não pode ser só tristeza

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Nós ficamos indignados todos os dias. O noticiário só traz miséria, tristeza, morte, violência. Sim, temos vontade de chorar, mas a gente engole o choro e esquece por alguns instantes, porque viver precisa também ser um pouco prazeroso, por isso sambamos, cantamos, brincamos, nos divertimos, ainda que em corações vez ou outra pese uma agonia, uma angústia. Esquecemos por instantes. Nós nos fazemos deslembrar de quão cruel pode ser a vida, colocamos máscaras em nossos rostos, parecemos não nos importar com o que vemos, lemos, sentimos, num lampejo de esperança de que ao levantarmos de nossas camas no dia seguinte tudo tenha melhorado de alguma forma. E essa esperança é o que nos alimenta a seguir em frente nesse mundo tão complicado.

Ausências?

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Falando dia desses com uma amiga psicóloga, ela disse que quem escreve se expressa muitas vezes melhor do que quem faz análise. Talvez seja a escrita uma forma de análise na qual não pagamos ao terapeuta no final exigindo a notinha para que abatamos no imposto de renda. A escrita fala tanto de nós que talvez nem saibamos mensurar quanto. Hoje minha análise é sobre ausências e como ela nos afeta como um soco inesperado no estômago. A gente não nasceu, definitivamente para sermos sós. Não nos ensinaram em nenhum lugar ou nos prepararam para que estivéssemos sozinhos em algum momento. Já adianto que não falarei de solidão e ser solitário e aquele velho discurso de que um não quer dizer o mesmo que o outro, coisa que já estamos carecas de saber. Falo de estar só, sem referências para o mundo, em um lugar em que as pessoas se preocupam tanto com seus salários e seus ganhos que se matam de trabalhar a ponto de não estabelecerem com outro qualquer tipo de relação por mais simples que

Me chame do que quiser

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Me chame pelo seu nome é um livro foda. Não assisti ao filme com medo de que as palavras ali contidas sejam destruídas pela atmosfera que nem sempre o cinema consegue recriar. Talvez o assista um dia, talvez. Mas o que tem de tão diferente em um livro que conta a história de amor de um adolescente de 17 anos por um professor mais velho que vem passar as férias de verão em sua casa em algum lugar da Itália? Tudo. O protagonismo LGBTQ numa época em que ainda se matam homossexuais no mundo inteiro apenas pelo simples fato de serem quem são, já é por si só um soco no estômago. E tem o erotismo sutil em uma relação de amor que poderia ser construída por qualquer um. Não é apenas um livro sobre gênero ou sexualidade. É um livro sobre seres que se amam e têm que aceitar que mesmo que isso seja bom, vivem num mundo em que a hostilidade fala mais alto por vezes e a gente é obrigado a usar máscaras que se moldam de tal maneira à nossa personalidade que não sabemos mais o que é máscara e o

Poesia sua

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Quando leio Augusto dos Anjos, nunca sei se ele é parnasiano ou simbolista, talvez realista ou profeta, ou muito dos dois ou nada disso. Não concluo, apenas permito dizer que ele poderia me ter conhecido em botequim por aí, caída, vencida, jogada aos vermes, hipocondríaca, escarrada (não beijada). Sou uma poesia de lixo. Sou uma quimera. Sou aquilo que nem sei. Sou? Talvez. Sou incertezas, um vento que se agitou em algum canto distante do globo, a incerteza de muitos e a verdade de poucos. Hoje me sinto vencida. Hoje nem me sinto. Desculpe a ousadia grandioso poeta, acho que sou uma poesia sua. Júlia Siqueira

O amor tem dessas coisas

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Sempre me perguntei qual é a mágica dos casamentos duradouros. Resiliência, paciência e amor. Na paixão tudo é novidade. O sexo é inédito, estar ao lado de alguém que se gosta é uma montanha-russa daquelas em que há muito medo em cada manobra, mas também um desejo imenso de ficar. Passado o conhecimento e o reconhecimento sobra o que? Sobra o distanciamento e a busca dessa paixão montanha-russa, usar outro corpo novo e manobrá-lo com medo e com vontade ou apenas o amor. É ele que fica quando a tempestade dá lugar a bonança.  O amor é aquele vírus que muda o nosso DNA e faz com que a gente descubra uma síndrome de cuidado alheio. Nos vemos preocupados com o que a pessoa come e se come, se dormiu bem, como foi o seu dia e num looping infinito essas preocupações tornam-se parte de nós, uma vez esse vírus alojado. E fica. O amor é paciente e resiliente. Ele consegue fazer com que compreendamos que não conseguimos modificar ninguém, mas faz com que sejamos capazes de cuidar de duas p

Que Deus perdoe quem não gosta de Carnaval

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Pego um ônibus lotado para me deslocar por 15 a 16 horas da cidade onde moro para Salvador. É o meu quinto ano consecutivo de folia na capital baiana e eu sei que não me sentirei nem um só momento desapontado. Chego. Começo a ver flashs sobre o Carnaval na Tv. Salvador para nessa época é uma outra cidade. Chega à noite, o metrô cheio, fantasias diferentes passam por mim, diabinhas e anjos andam juntos no mesmo espaço, sinto a energia de quem quer apenas pular atrás de um trio elétrico. Chego. De longe o farol brilha onipresente. As ruas lotadas. Luís Caldas, o pai do axé, se aproxima com seus sucessos, até chamar a atenção dos foliões para a música que iria começar a tocar: “Ah, imagina só que loucura essa mistura, alegria, alegria é um estado que chamamos Bahia” (arrepio). Sim, cheguei oficialmente no melhor Carnaval do mundo. Essa música diz que a Bahia não é apenas um estado da federação e sim um estado de espírito. E eu queria que todo ano esquecêssemos dos nossos problemas re

Caetano não é pra high-techs

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Lembro que as primeiras músicas que ouvi Caetano cantar foram Sozinho e Você é Linda, isso nos idos dos meus dez anos. Na adolescência tive aquela fase rock e depois me entreguei a MPB e seus novos e veteranos cantores. Gostava muito de Chico, Elis, Nara Leão, Bethânia e Caetano. Mas ele não era o meu preferido, até que ouvi Sampa e tudo mudou. Quantas letras lindas essa mente foi capaz de criar. O ouço agora de um jeito diferente, digerindo cada frase, cada letra explícita e implícita, cada acorde. Foi nesse espírito que fui ao meu primeiro show com ele. Um show dele com seus filhos igualmente talentosos. Queria só ouvi-lo, apenas. Ouvir a voz desse ser tão encantador, como diria uma quase-minha-amiga-de-um-só-dia que já se foi. Tanto era minha loucura calada e contida, minha euforia silenciosa, que coloquei meu celular em modo avião, pois nada deveria atrapalhar aquele momento que beirava o sagrado, pelo menos pra mim. Mas eis que as pessoas ao meu redor profanaram meu momento,

Voltar?

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Todos os anos volto à minha cidade natal. Lá revejo amigos, pessoas queridas, familiares. Eles parecem se confundir com os lugares que costumava ir, onde era comum eu passar. Tudo tão igual e ao mesmo tempo tão diferente. Os lugares são os mesmos, as pessoas também, diga-se de passagem, mas então o que mudou? Eu sou o mesmo? - pergunto-me. Não! - responde uma voz dentro de mim.  As coisas deixadas pra trás ficaram ali no passado distante que revisito todos os anos. Desejo retornar? Não, dificilmente me acostumaria ali de novo. Mas mesmo não desejando isso, sinto um desejo enorme de estar, ficar e voltar.