Talvez


Talvez, no seu leito de morte, nos últimos instantes desta vida, você descubra que a inevitável coragem para morrer pudesse ter sido a coragem que você não usou para viver. Talvez, no seu leito de morte, você se arrependa de ter permanecido no trabalho que te consumiu a alegria. Talvez você se doa por não ter dado um basta no relacionamento infeliz, arrastado pelos anos por medo de não saber o que pudesse vir depois. Talvez você lamente por ter se preocupado tanto com o seu peso e tão pouco com a sua saúde. Talvez você se ressinta de ter deixado passar tantos momentos que poderiam te levar além, mas que você se encolheu junto ao temor pelo que os outros poderiam pensar. Talvez esteja claro que você não se levou adiante e, agora, sem poder sair da cama descubra que você poderia ter ido onde quisesse. Talvez você perceba o quanto cultivou mágoas e culpas, raivas, angústias e ansiedades a lhe ocuparem o tempo, o peito e a te afastarem do amor-próprio - e da sua própria paz. Talvez, no seu leito de morte, você se convença de que poderia ter sido mais, feito mais, sentido mais, realizado mais, arriscado mais e que não fez, não foi e não realizou não por culpa dos seus pais, do seu marido, da sua esposa, dos seus filhos, do seu patrão e sim por você ter acreditado nisto. E então você perceba o quanto entregou o seu poder pessoal na mão dos outros e se convenceu com o pretexto de que foram os outros que te impediram de viver e ser feliz. Talvez, no seu leito de morte, antes de dormir você desperte.
O bom é que você ainda não morreu.


Guilherme Antunes, Talvez, do blog A ilha de um homem só


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