Estatísticas

Marina pegou o ônibus com um mau-humor tremendo. Não era sem razão, afinal já haviam passado dois antes deste e nenhum parara. Este, porém, parou, e o motorista até disse entre dentes um bom dia. Ela ia para uma entrevista de emprego e estava confiante de que tinha todos os requisitos necessários para preencher a vaga. Checou as mensagens que recebia no celular e acabou levando o maior susto com o breque repentino da condução. É tiro! – gritavam os passageiros. Marina, infelizmente não conseguiu ouvir a tempo. Suas mensagens ficariam sem responder e o gerente do RH acharia que ela tinha desistido da vaga. Estatística da criminalidade.

Pedro saiu da balada e pediu um carro de aplicativo. Estava contente comemorando que sua aprovação no vestibular. Antes de sair sua mãe disse: - Filho, não fica até muito tarde na rua que amanhã eu vou te acompanhar na matrícula. Porém, sua mãe nunca o matriculou. O carro em que Pedro estava se envolveu num acidente. Estatística do trânsito.

Joana já havia entubado tanta gente por síndrome respiratória nos últimos dias que já fazia isso com os olhos fechados, marejados entre uma lágrima e outra. Naquele dia o plantão já chegava próximo do final e tudo o que ela queria era ir para casa. Em casa, tomou banho, vestiu-se e preparou para colocar a lasanha congelada no micro-ondas enquanto procurava algum filme para assistir. Não sentiu o gosto da comida, sentiu febre no dia seguinte, precisou ser entubada quatro dias depois por seus colegas que a viam fazer aquilo ali com maestria. E entrou para o número das quase trinta mil histórias que se tornaram estatísticas de uma pandemia.

Marina, Pedro e Joana tinham sonhos. Projetavam suas vidas, planejavam viagens, passeios, encontros. Se importavam com outras pessoas, eram amor na vida de outras pessoas. Marina era o amor de sua filha. Pedro o amor de sua mãe. Joana o amor de seus amigos e de seu marido. Não eram apenas números registrados em um computador. Eram histórias que deixaram de ser contadas e vividas.

Quando foi que nós, tão preocupados com a vida, muitas vezes tão apaixonados por ela, passamos a naturalizar a morte a tal ponto de fazer um banquete para ela?


Comentários

  1. Provavelmente foi quando passamos a acreditar que a vida, da forma que está, não tem sentido.

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